12 de abril de 2006

diálogo entre c. e g.


- C. , está triste? Por que mente pra mim? Está triste. Sei que está triste. De olhos fechados, com as pernas entreabertas, depois do gozo, de costas pra mim... vejo que está triste. Vamos, vamos adormecer juntos. Sei que tem perguntas, mas vamos dormir juntos, enquanto as respostas não chegam,

G. chega. Ocupa-me de preocupações práticas, como: quem pode foder quem. Até onde se pode foder a amiga ou o amigo. Como o dia podia engolir o dia vazio. Como a comida da noite pode ser comprada no mercado. Como as amenidades do dia podem ser do dia sem concebê-lo em nada. G. vem dizendo coisas novas. - E triste G., por que inventa tantas respostas? G., por que mente pra mim? Sei que sabe que não há reposta,

E desabam em mim perguntas práticas e desavenças fundas. E desabam em mim perguntas que não servem pra viver o dia ameno. - G., estive triste. G., você está triste. G, somos tristes? Deitava ao ler HH, que depois da epifania desaprendeu a ser amena e a viver no mundo que costumava fingir. Exercício em que olho de cima C., crua na cama, entrecostada em ombros e lençóis, tentando fingir que não importa não entender. Que quando goza dispensa as perguntas, porque experimenta a morte. E a morte é a grande pergunta. – Não, C., tem vida por aí que não se pergunta, que se justifica pelos afetos.

G. se localiza no mundo, e quando se perde, liga o gás. - G., quando ligar o gás, olha com os olhos que podem ver, olha de cima G. ligando o gás, e vê um amontoado de carne em desespero inventando respostas,
Repouso os olhos sobre a mesa, e olho o olho que vê, sem conseguir entender o que ele vê. HH me contou isso. Concordei. - G., eu estava olhando os olhos sem saber o que viam, mas têm horas que eu olho com os olhos que olha, e fica tão escuro G., que você me pergunta se eu estou triste. Fica tão esfumaçado, e vou caindo da cama, a cama se abre e vou despencando numa fundura sem limite. Vem você G., debruçado em mim, perguntando se estou triste. – C., não mente pra mim sei que está triste. - G. não estou triste, estou desabando.

G. me dá a mão porque sabe que eu procuro coisas sem resposta. Não sabe as respostas. Mas inventa. A mim não convence, mas acalenta. Compreensão da minha perplexidade diante do vazio dos dias que vão completando o que depois nomeiam de vida. - G., me deslocalizo e já não importa se estou sentada diante desta tela. Não existe dimensão pra esse corpo feito de coisas que apodrecem. - C. quero foder você.

, Uma forma de eu re-sentir o corpo prático que me permite estar. Não vão mais importando as coisas práticas que vão engolindo o dia e as essências de vazio que são o que nomeiam vida. O buraco, maior que o buraco visto, tem que ser lembrado pra não se esquecer que você não está aqui em casa por conta de conta. Que você está aqui em casa porque moramos na mesma morada, porque ouve meus silêncios, enquanto tento enxergar as cores que você inventa, que o dia a dia não nos engole. Porque, por ora, somos um buraco bem maior do que o dia, não fôssemos isso, o tempo não aplacaria a mesmice da convivência prática das contas, o tempo não pouparia o encanto inicial das carcaças podres que se conhecem. - Até hoje G., só conheci as superfícies podres – lembra, G, quando falávamos de acordar na noite e ver as coisas em outra dimensão – lembra de acordar chorando por ver as coisas maiores ou menores do que dizem que são? – compartilho contigo estar olhando neste exato momento as letras maiores (ou menores, como você vê). São as coisas se avivando e tomando suas próprias dimensões. Tudo por dizer que o que vi não foi superfície que apodrece. Foi escutar o barulho de terra remexendo dentro de você. E você descobrir em mim, o barulho do mar revolvendo a areia. - Enquanto ouço o barulho, G., dividir a vida com você é pra que olhe e diga: - C., hoje você tem sessenta anos, não encontrou as perguntas, eu sigo inventando as minhas. Mas vem dormir que eu te amo. C, não mente pra mim, você é triste.

Um comentário:

Gil Maulin disse...

o diálogo entre nós não cessa em nossos encontros, mas eles se fazem principalmente quando o desencontro é a rotamada de um sentido de forças que nos fazem estar onde estamos. caibamos na gente toda a possibilidade de recriar sempre o impossível. saibamos que daqui é sempre mais interessante de se ver o que foi de nós ontem à noite.