28 de janeiro de 2007

o abandono

De algum abandono o amor é feito. É muito mais feito de cruzamentos estranhos e estranhamentos. Muito menos produto de efeitos. Muito mais fragilidades e muito menos contratos. Muito menos coisas grandes e muito mínimo. O amor de mim. De quem sei lá. Um abandono do concreto e do corpo definido. Sem melodias românticas. Sem anéis. Um surto qualquer no meio das coisas à volta. Coisas grandes e detalhes, que estáticos, permanecem na casa enquanto a casa se desfaz em interrogações. Enquanto a casa se refaz numa tarde calma, para logo ser líquida com tanto drama, com pouca cama. Como a falta de limites pode ser traduzida no reduzido espaço da letra? Como a experiência se reduz a uma frase? Como uma frase amplia a folha branca? Como se escreve a falta? Como se desvencilha o abandono de si? Quero ser só. Pode ser carta de alforria. Ou prisão sensacionista da diversão de dentro. Ou o horror de me ocupar comigo se esvai na certeza de que estou, mesmo não crendo. Ou ser só, é limite de ser. Ou nem é ser. Não sei quem anda com meu corpo e sorri com minha boca. Não sei de ser. Não sei de andar. Só por aqui se está. Imersa nos cheiros que abrem as narinas e cavam buracos enormes dentro de mim. Grandes e imensos plenos buracos que destroem as fibras e me permitem a grande sensação de não saber. Um segundo e se vive. Muitos dias e se imita. Um segundo e existir é pleno. Muitos anos e se engana. Não se sabe das perguntas. São todas tolas. São todas pré-textos. São todas fugas. Não há pergunta no supremo momento. É tão se estar que não cabe qualquer pergunta. Um espaço para o horror e o resto se ocupa de se espalhar pelo universo. Não há escrita onde não há espaço. A expansão só borra o papel e imprime um átimo de sentido para as pessoas que observam. O texto, o único texto, já foi feito. O resto é imitação e tentativa de tocar. Quando se toca, o texto surge, o mesmo texto. Mas como ele só surge onde não há palavra, o toque nunca se traduz. O segundo, sem passado ou futuro, não se registra. É o retorno contínuo ao que, embora já visto, pleno desconhecido.

4 comentários:

Gil Maulin disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Mario Davi Barbosa disse...

"Como a falta de limites pode ser traduzida no reduzido espaço da letra? Como a experiência se reduz a uma frase? Como uma frase amplia a folha branca? Como se escreve a falta? Como se desvencilha o abandono de si?"

Todas as minhas possíveis perguntas serão bobas, serão tolas o bastante para exprimir a falta de sentimento meu, o exceso exatidão. O texto corre como a chuva que cai num dia de tempestade de verão: forte, rígido e refrescante... alívio. Pulsa e pulsando, transparece uma pessoa cheia de sentimentos, que surpreende por suas palavras... que não explicam, mas seria tolo explicá-las.

Abraços!

ps: a demora valeu a pena.

Gabriela Jacinto disse...

"Não sei quem anda com meu corpo e sorri com minha boca"

Um texto que diz tudo e não diz nada, a interpretação que acalma, pois a agonia esbarra no que ofusca as palavras. Belo texto, deve ser muito seu, coisas que só você consegue interpretar na íntegra. Gostei muito do seu blog.

Beijos e Boas Férias

nilo trindade disse...

oi camila,

mas de qquer forma por mais que se negue a capacidade dos textos de descreverem momento, em especial momentos de maior significação para nós, seu texto por exemplo, gera, ou pode gerar no leitor, outras sensações que tbm. não poderão ser reduzidas a textos, mas que de certa forma foram impulsionadas por um. Enfim só estou aqui tentando fazer uma defesa do texto, não de sua capacidade de verossimilhança, mas de sua capacidade comunicativa, de sua capacidade de transmitir algo e de sucitar emoções, ainda que não exatamente as que o autor buscava exprimir, mas construída numa relação dialética autor/leitor, ou ao menos obra/leitor...

enfim, fiz uma defesa dfo texto, até pq ele me lembrou coisas que senti ainda esse ano...

bjos de salvador

nilo santana