10 de abril de 2006

a socialização da dor

(...porque se não se consegue socializar o prazer, que se socialize a dor...)

Estava devendo essa. Não como quem deve uma conta que não se pode pagar, nem como quem deve obrigações. Estava devendo era mesmo romper com a inércia “intelectualizada”. Com o entorpecimento que nos faz passar indiferentes e conformados diante de agressões, violências e barbaridades.

Por quantas dessas já não passamos todos, como que se pudéssemos fechar o vidro do carro ou colocar óculos escuros, para que tornasse invisível o que se habituou a não ver, ou para que nos tornássemos invisíveis àquilo que nos agride?

Antes de tudo, precisamos voltar a sentir. Sentir tudo indistintamente. Pagar um alto preço por isso tudo. Não como quem paga uma conta. Pagar a dor de quem sente. Pagar a nossa própria existência, que não se paga se não se esforça a vir a ser.

Sentir tudo indistintamente. Talvez isto signifique doer muito mais do que ter prazer. Quiçá esteja aí a explicação desse nosso torpor diante do que não queremos ser.

Mas basta da busca de explicações ascéticas. Enquanto a explicação servir de escusa, basta dessa procura cínica.

O que nos assusta nos anestesia. E é isso ciclo que se tem que romper.

O nosso susto diante da dor, o nosso susto diante do horror, o nosso susto diante do medo. O nosso susto, diante de Nós, não diante do Outro, que já não é Susto, mas genocídio.

Sentir tudo, cada um, no máximo de suas possibilidades. Construir a maior possibilidade de sentir. Que seja a dor mais crua que não se pode imaginar. Que dela se faça o fim ou a reinvenção. Ao menos isso, devemos poder escolher.

Do susto à suscetibilidade da dor.

Florianópolis, 06 de dezembro de 2002.

Um comentário:

Anônimo disse...

lindo, Camila... lindo e mais que aceito o convite...
tua "epígrafe" me lembrou aquela frase do nosso Bernardo Soares:
"Já que não podemos extrair beleza da vida, busquemos ao menos extrair beleza de não poder extrair beleza da vida."
consolo?
otimista?

sei lá...
utilidade imediata.